As artes das Áfricas
Minhas idéias e minha percepção sobre as idéias dos outros

Elaine Christina Pinto Resende

Texto de avaliação da disciplina Estudos de Arte Africana (MEA0009 / optativa MAE-USP), 2004.
Elaine Christina Pinto Resende, graduanda do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP.

Eu não poderia ter escrito tudo isso num simples papel em branco.
Eu sequer poderia ter escrito isso.

Quando decidi me matricular no curso de Estudos de Arte Africana, eu imaginava conhecer algo de que jamais havia ouvido falar (ao menos de maneira séria e acadêmica). Eu queria conhecer o que julgava estranho, virgem. Eu queria cultura além, extra, e, portanto, até então, relativamente dispensável.
Saber mais.
Conhecer.
Enxergar.
São só alguns verbos que situam o momento em que eu estava situada no tempo.
Vida.
Multidimensionalidade.
Expressão.
Impressão.
São palavras que definem o que eu penso hoje, sobre as artes da África.


"A arte não se separa da vida. Antes, abrange todas as suas formas de atividade, conferindo-lhes sentido." (Hampâté Ba, 1976)
O sim não existiria se não fosse a negação de algo previamente negativo.
Assim como não existe dia antes que a noite termine.
Eu me sinto extremamente irritada quando preciso pensar na existência de Deus e desesperadamente protegida quando acredito que ele pode me ouvir.
Multidimensional.
Dual.
A Arte Africana é.
Eu também sou assim. Todos nós somos.
Sim, eu já sabia disso. Mas sinto que só pude verdadeiramente aceitá-lo quando entendi as multifaces de uma máscara de culto de uma nação africana.

Uma máscara pode ser feliz e triste. E pode ser raivosa, digna de pena, autoritária ou subversiva. E bonita. E feia. O ponto de medida é o referencial. Quem olha, a maneira/posição que olha, e, o mais importante, em que contexto olha.

Uma máscara só é uma máscara num ritual. Com música, dança, sentimento. Se não levarmos em conta o seu caráter circunstancial e o ambiente multimidiátco que a personifica, ela se tornará apenas um objeto bonito. Ou feio. Um objeto, apenas.

Sem o corpo da pessoa que a carrega, sem a sua vivacidade, energia, força, voz e crença, uma máscara não é uma máscara. Se não existe a unidade música-dançarino, a máscara não se torna capaz de portar poderes sobrenaturais. (Jan, 1963)

Se não sentimos ódio, inveja, amor, compaixão, dor, como nos chamam humanos?

Apenas obtivemos licença para nos "alcunharem" assim porque vivemos esses sentimentos em momentos proporcionados pela nossa própria existência. Porque estamos vivos.

Então, se não fosse a vida, os sentimentos humanos seriam celestiais, de "Deus".

Se não houvesse a morte, por que nos chamariam vivos?

Quando uma "imagem" é nomeada, ela recebe um significado, e isso acontece independentemente de sua estrutura. E, devido ao Kuntu (ação, momento, atitude), ela obtém a sua forma e categoria. A sua função é determinada no momento de seu nommamento.

Nommo: palavra criadora, palavra eficiente, função.

Uma obra de arte africana só é completa se é nommo.

Portanto, toda Arte Africana é composta de objetos nommos. (Jan, 1963)

Porque ela toda é conceitual, interessada em comunicar idéias e relações. (Carneiro da Cunha, 1983)

Nada é estático ou fechado nas artes da África. Tudo é representativo, simbólico, e imbuído de imenso valor, seja ele qual for.

A Arte Africana é iconográfica.

As obras, esculturas, são representações tangíveis de uma realidade intangível, intocável e invisível, que reside em um plano superior, muito acima da compreensão ocidental comum que nos ensinam a adquirir e aceitar.

São como as sombras dos objetos que se movimentavam, no mito da Caverna, de Platão.

A Arte Africana nunca é um objeto. É uma atitude.(Jan, 1963)

Por isso é tão complicado explicar que um "inkisse" bakongo não é um fetiche, uma chamada "forma tosca", mas um conjunto de ícones usados para dar força à coisa construída, formas de um todo que conferem as características desse mesmo todo a uma outra obra "qualquer".

Ou então que um Exu iorubá não é uma "imagem do Mal". O conteúdo que reveste a "obra" (que pode ser cosmogônico, ritual, ou filosófico, por exemplo) é o que a impulsiona a se tornar Arte.

Duas coisas que Hampâté Ba diz traduzem o que eu sinto quando tento entender ou explicar isso. São elas:

"Escuta! Tudo fala. Tudo é palavra. Tudo procura comunicar-nos alguma coisa, um conhecimento ou um modo de ser indefinível, mas misteriosamente enriquecedor e construtivo".

E "Aprende a escutar o silêncio e descobrirás o que é música". (Hampâté Bâ, 1976)

Lente.

Telescópio.

São apenas algumas palavras que ilustram a minha interpretação, a minhas impressões sobre tais afirmações.

O idioma da obra de arte africana é direto, imediato, porque é prontamente compreendido.

Não é necessário mediação entre obra e espectador, pois ambos são frutos de uma mesma realidade.

Realidade.

Eis a palavra chave para a compreensão das Artes Africanas.

Porque elas não são nada além de representações de realidades.

Na verdade, essa é também a minha visão particular sobre Arte em geral. Talvez tenha sido esse o motivo de eu ter sentido tudo o que foi falado e discutido nas aulas com tamanha intensidade.

Para ainda confirmar o que eu penso, afirma Mariano Carneiro da Cunha, "(...) não serão sempre as soluções formais apresentadas pela fatura da obra que a definirão como obra de arte, mas os vários elementos que a tornam essencialmente ícone." (Carneiro da Cunha, 1983)

Isso só me faz ter mais certeza do imenso valor que os "Estudos de Arte Africana", MEA 0009 me ensinaram a reconhecer sobre as artes da África.

Hoje eu entendo a influência da arte negra sobre o meu país e sobre mim mesma.

Talvez entender não seja a palavra mais apropriada. Reconhecer, ou melhor, sentir, me parece mais verdadeiro.

A Arte é ativa.

A Arte é força.

A Arte é metonímia.

As artes das Áfricas me mostraram que o mundo e as pessoas são muito maiores do que eu achava que eles fossem.


Referências bibiográficas:

HAMPÂTÉ-BÂ, Amadou. África, um continente artístico. O Correio da Unesco, a. 4 , n. 4, p. 12-17, 1976.

JAN, Janheinz. Muntu: las culturas neoafricanas. México: Fundo de Cultura Econômico, 1963. (Tiempo Presente, 44).

CARNEIRO DA CUNHA, Marianno. Arte afro-brasileira. In: ZANINI (Coord.). História geral da arte no Brasil, vol. 2, 1983. p. 1973-1033.