Arte africana em museus: Museu Quai-Branly

As coleções africanas do "museu do cais Branly", às margens do Rio Sena, provêm dos antigos Museu Nacional das Artes da África e Oceania e Museu do Homem, particularmente do seu Laboratório de Etnologia.

Antes de mais nada é importante observar que o Museu do Homem foi criado por ocasião da Exposição Universal de 1937 em Paris. Suas coleções pertenciam ao antigo Museu Etnográfico do Trocadero fundado em 1878, que foram acumuladas desde o século XVI, a partir dos chamados "gabinetes de curiosidades". Somam-se em seu acervo lotes de objetos etnográficos adquiridos e coletados durante pesquisas em antropologia e pré-história continuada na África até o século XX.

Recentemente, em 1995, sob o governo de Jacques Chirac, surgiu na França a preocupação em valorizar a "arte primitiva" enquanto patrimônio museológico. Logo, uma comissão foi constituída propondo reunião do acervo desses dois museus em uma nova instituição vinculada aos ministérios franceses para a Educação, Cultura e Ensino Superior, tendo por objetivos: preservar e apresentar as coleções, desenvolver a pesquisa e o ensino. Assim, um dos marcos principais da fundação desse museu, ainda em construção, foi a abertura do Pavilhão das Sessões, do Palácio do Louvre, com uma exposição de mais de cem obras-primas da África, Ásia, Oceania e Américas procedentes de coleções já constituídas na França e nos países de origem.

Pertence hoje ao Musée Quai-Branly, uma peça que veio para o Brasil em 2000, uma máscara gueledê, dos iorubás, exposta na Mostra do Redescobrimento, em São Paulo - então do Museu Nacional das Artes da África e Oceania. Para relembrar-se dela, clique para ver em zoom na primeira imagem à direita da página (clique aqui).

Algumas das peças das coleções do Museu Quai-Branly constam de exposição temporária inaugurada em 2000 no Museu do Louvre. Leia mais aqui (o site é em francês). É possível conhecer 45 delas, estando entre elas a famosa estátua que se diz de Gu, dos Fon (Rep.Pop.Benin) - Ogun, entre os iorubá -, divindade do ferro e da guerra (veja aqui).

Essa peça (que aparece em destaque nesse endereço acima indicado), foi levada pelos franceses do palácio de Abomey (Rep.Pop.Benin) à Europa, dando entrada no Museu do Homem em 1894, como um dos pertences de Glelê, rei de Daomé, filho-sucessor do rei Guezo (1818-1858). Ver também Museu Histórico de Abomey(*).

Guezo restabeleceu a autoridade do reino de Daomé tomada pelos iorubá no século 18. Tornou-se uma figura legendária no Brasil pelas pesquisas de Pierre Verger que revelaram a possibilidade de ter sido a mãe de Guezo trazida para o Maranhão (Cf. Verger, P. Le culte de vodoun d'Abomey aurait-il été apporté a Saint-Louis de Maranhon la mère du Roi Guézo? Publ. De l'IFAN, Dakar, n.27, p. 158-160, 1953).

A estátua de Gu é feita de ferragens de origem européia (calhas, barras de ferro, parafusos), mas também de vários elementos de ferramentas tradicionais da África, que são simbólicos e recorrentes na iconografia dos orixás. Ela tornou-se renomada por ser a primeira figura humana feita de ferro africana até então conhecida e uma das primeiras peças africanas expostas ao público geral na Europa. Cf. uma interessante análise dessa peça feita por Joseph Adande, professor da Universidade Nacional do Benin, e de Serge Tornay, responsável pelas coleções africanas do Museu do Homem (veja aqui).

Observe-se que o Museu Afro-Brasileiro, em Salvador, formado com o entusiasmo do próprio Verger entre outros, possui uma estátua que é uma espécie de releitura desta (veja aqui).

Uma outra estátua tida como advinda dos tesouros do rei Behanzin, filho de Glelê, encontra-se no Museu Dapper, Paris, feita em madeira e recoberta de latão. Há controvérsias sobre o histórico de ambas as estátuas, sendo que, por vezes, ambas são associadas ao próprio rei Guezo. Delas decorrem comentários como "Le Dieu Gu du Musée de l'Homme : ses origines, sa signification historique comme oeuvre d'art", também de Joseph Adande, e "Dieu Gu : le petit frère de Genève", de Claude Savary, curador do Departamento África do Museu de Etnografia de Geneva (veja aqui). Neste último apresenta-se uma estátua contemporânea do acervo do Museu de Etnografia de Genebra, Suíça, inspirada, como a do Museu Afro-Brasileiro da Bahia, na estátua de Gu do Museu do Homem.


 

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